Arquitetura do Corpo




Assim como a fusão sobre o rosto de Henry Fonda, em The Wrong Man (1957), está para o cinema de Hitchcock, o deslocamento em fade sobre o rosto de Michael Ironside, em Scanners (1981), está para a obra de David Cronenberg. Em apenas um corte, temos o mais perfeito retrato desta arquitetura do corpo que o autor canadense vem construindo desde seus primeiros filmes. A sobreposição na tela do prédio que abriga um instituto para as experiências com os scanners, homens geneticamente modificados, tomando o lugar de um rosto que pertencia a um scanner, vem representar este exato tom de mutação pesquisado por Cronenberg a respeito da carne e do espírito humanos. 

Um cinema que investiga todas as possibilidades de organização do espaço – sempre uma questão de mise en scène –, entre homens e máquinas, entre o sangue e o metal, entre inteligências que já se distinguem com dificuldade (pois como falar de natural e artificial em cinema?); espera-se a imagem que harmonize este desequilíbrio, que encontre o ponto limite da humanidade diante de suas invenções, não mais restritas ao que criamos com as nossas mãos, se o próprio homem já se tornou uma invenção de si mesmo. Hitchcock fundamentava a sua cena em uma imagem de Cristo; Cronenberg faz o mesmo com uma estrutura de concreto, símbolo da ciência. Entre um e outro, uma passagem exemplar do que o séc. XX atravessa em suas transformações. Retornamos às pedras.

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