"Os filmes não são sobre a perfeição, eles tentam alcançar algo..." (Peter Hutton)

At Sea (Peter Hutton, 2007)

CINEMAD: Houve algum ponto de ignição que o tornou interessado em filmes de arte?
PETER HUTTON: Durante os primeiros 10 anos da minha vida criativa eu ​​não fazia filmes; eu era um pintor quando adolescente, e depois, um escultor. Eu estava em Los Angeles para um verão, em meados dos anos 60. Fui ver um dos filmes experimentais de Kenneth Anger, em La Cienega. Então, mudei-me para São Francisco, para ir ao Instituto de Arte. Eu comecei a ver Harry Smith e Bruce Conner, na Sociedade Cinematográfica de Ashbury, da qual Freuda Bartlett saiu. Achei tudo aquilo enorme! Todo mundo achava! De algum modo, era um tipo de rival à cultura do filme comercial, porque os parâmetros eram abertos a partir de um cinema tradicional. É interessante ver nos últimos 40 anos o colapso desta pequena cultura, bastante delicada. É como se isto fosse mantido vivo por jovens que estão apenas descobrindo este trabalho, que ficam realmente animados com ele, e felizmente começam a escrever sobre ele. Mas também é mantido vivo por aqueles que ensinam, pelas escolas de arte que, em sua maior parte, empregam uma grande quantidade de pessoas que estão se propagando, mostrando o seu próprio trabalho e de outras pessoas. É relativamente modesto, mas ainda é uma alternativa maravilhosa para a cultura cinematográfica comercial.

Se você quer ver isto, você tem que se envolver com isto.
Eu acho que isso é bom. Uma das coisas importantes para mim é o contraste em relação ao acesso à mídia de TV e os comerciais que estão sendo empurrados sobre você... Você tem que ser curioso, sair do seu caminho. Como ir para mercados de pulga e encontrar grandes e velhos livros, fotografias, pinturas. Você tem que ter essa curiosidade. Há um elemento de satisfação que vem com a descoberta de algo que não foi divulgado ou estava diante da cultura comercial. Eu gosto do fato de haver uma obscuridade para a cultura. Talvez isso seja bom...

Você ainda estuda fotografia?
Não. A pintura era o meu grande negócio. Meu tio era um artista, Edward Plunkett, ele conhecia um monte de artistas de Nova York, incluindo Marcel Duchamp e colecionadores de pop arte. Ele foi uma grande influência para mim. Minha mãe também era uma pintora amadora. Quando eu era criança, meu pai mantinha um álbum de fotos, como marinheiro mercante. Eu amava olhar para esses álbuns de fotografias cheios de imagens de lugares que ele tinha ido, ao trabalhar a bordo de navios; Índia, China, Indonésia. Eram apenas instantâneos. Paisagens marinhas, fotografias casuais muito amadoras. Isso foi antes da TV, de modo que era um lugar muito legal imaginar esses lugares. Quando comecei a trabalhar a bordo de navios, eu fiquei tão feliz por ir a esses lugares. Construiu-se o meu apreço por este tipo de viagem. Tirei fotografias quando fui para a Índia, depois eu finalmente aprendi a filmar... Houve um período de 10 anos, entre '64 e '74, onde eu trabalhava intensamente em navios. Eu paguei a minha escola de arte trabalhando em navios. Ia para o mar por um semestre, em seguida, para a escola por um semestre, e voltava do mar para a escola...



[...] Visualmente, estar no mar é fascinante porque é sem qualquer parâmetro. Não é o mundo que conhecemos. É quase como viajar para o espaço. Eu sempre pensei que a perspectiva era ótima, especialmente como alguém que costumava ser um pintor. Isto expõe você a essa atmosfera diferente. Você experimenta coisas que sente realmente únicas. Mesmo que exista uma tradição de pinturas marinhas. Se você pensar em alguém como Turner, toda a sua vida foi gasta fazendo marinhas, pinturas sobre navios e batalhas navais e da natureza, fazendo referência a essa atmosfera incrível. Quando você trabalha em navios há muito tempo de inatividade. Você é capaz de se deixar levar e olhar para a atmosfera do mar. Isso em si é incrível. A noção de tempo é realmente diferente porque você está viajando muito lentamente. Às vezes, a bordo de navios, você fica como morto na água. Eles encerram e trabalham no motor, ou algo assim, e você está apenas lá, flutuante. No meio do nada.

[...] Há uma espécie de cultura de sobrevivência quando você está no meio do mar, onde você tem que desenvolver um tipo de acuidade visual para saber onde está indo, o que está acontecendo. Essa sempre foi uma parte da cultura marítima; estar olhando com muito cuidado. Um dos benefícios, além de todas as viagens é que você é forçado a olhar para as coisas com muito mais cuidado. Particularmente à noite. Você está lá fora na escuridão, está pensando “Não há nada acontecendo aqui em cima", mas noite após noite após noite, você começa a ver coisas que sopram em sua mente. Piscinas de plâncton fosforescente sob o mar que estão explodindo e se iluminando. Eram como alucinações. Ao atravessar o Mar de Sulu, nas Filipinas, era como se houvesse cargas que se apagavam nas profundezas e uma luz explodisse sob a superfície do oceano. Botos raiavam através destes bolsos de plâncton como foguetes subaquáticos. "Estou realmente vendo isso?"

Em “At Sea” você tem muitos planos de terra, ou pelo menos de docas modernas que carregam os navios. Sente isso como menos pessoal, menos humano, do que os dias mais antigos de navegação?
Como um ex-marinheiro mercante, todos esses planos de centenas de homens a bordo do navio, tirando a carga, trazem-me de volta a este momento em minha vida quando todas estas imagens fascinantes me envolveram. Confronto um sentido do mundo e sinto o quão diferente o mundo era. Há algo sobre voltar no tempo. É tão importante mostrar às pessoas que isso é o que acontece quando você acaba com essas coisas modernas. Estamos nesta zona de penumbra onde você faz essa estrutura extremamente sofisticada, envia-a para o mundo e acaba sendo desmontada pelas mãos de alguém. Fazer essa conexão é realmente interessante, embora, ironicamente, esta seja a primeira parte do filme. O filme começa no futuro e termina nesta paisagem matinha atemporal que parece pré-industrial.

Você está filmando com uma Bolex?
Eu tenho uma velha Arri-S.

Então, você ainda pode fazer um plano longo, mas o rolo vai acabar.
Eu gosto disso, eu acho que é bom. Penso que uma das melhores coisas sobre o cinema funciona fora do filme. Consiste em mudar o seu ponto de vista e misturá-lo um pouco mais. Com o HD, você pode fazer um plano de 2 ou 8 horas...

Quanto de metragem você costuma filmar e não usar?
Tendo a filmar na proporção de 2:1. Algumas vezes 3:1. A proporção 4:1 é a mais extravagante, porque não posso pagar. Os filmes não são sobre a perfeição, eles tentam alcançar algo e dar a isto alguma credibilidade e qualidade. Quase tudo que eu filmo parece razoavelmente bom, só que às vezes você está tentando algo diferente. "Bem, talvez eu filme aqui, talvez ali, a esta luz, ou na sombra..." Você pressiona constantemente só para ver. Num filme, eu nunca tenho 100% de certeza de como ele vai sair. Mesmo depois de 30 anos eu não posso conseguir isto, mas você não se preocupa com isso. Estou sempre tentando dar às imagens um pouco de margem para que elas pareçam diferentes da coisa média.


Na maior parte, não há um público para o que eu faço. Você meio que trabalha com o que está feliz e joga o resto fora. Você espera que as pessoas possam aprender com isso ou ter algum tipo de apreço por isso. É um desafio mantê-lo como uma coisa pessoal. Você não vai morrer se não funcionar, mas você quer que seja aceito, como você deseja contribuir com algo para o público. Você está investindo nisso. Não é diferente de escrever ou pintar, você só quer definir a si mesmo uma forma estilística e espero que isso reflita bem como uma variação, em uma tradição visual de cinema. É como ser um poeta. Você nunca vai conseguir a atenção de um romancista, mas pode haver algo para que alguém fique interessado.

*** entrevista traduzida do site GWARLINGO (jun. 2012)

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