The Leather Boys (Sidney J. Furie, 1964)

Apesar da reconsideração que felizmente se vem marcando com a passagem do tempo, penso sinceramente que não tenha sido feito, pelo menos, entre os críticos espanhóis, um estudo que valorize a importância como um todo e, ao mesmo tempo, as semelhanças que geraram este conjunto de filmes surgidos no âmbito do chamado free cinema inglês. Mas além de aí se implicar o florescimento de dois diretores, a meu ver, de nível elevado como foram Karel Reisz e Tony Richardson, uma geração de grandes artistas – alguns dos quais continuam exercendo prestígio ilibado, penso mesmo que sobre esta nova corrente cinematográfica da Inglaterra – descendeu dos "novos cinemas" europeus, descendência esta que é especialmente literária. Sem querer lograr mérito aos autores por muitos de seus títulos mais prestigiados, creio ser evidente que dramaturgos como Allan Sillitoe, John Braine, John Osborne, Shelagh Delaney e outros, ajudaram a estabelecer um novo marco em que predominaram os exteriores lúgubres e industriais do país – algo que de outra forma já estava presente em épocas anteriores do cinema britânico – personagens cinzentos, alienados e frustrados, um enorme poder descritivo e, basicamente, o uso de fontes que devem ser consideradas como de grandes virtudes do cinema britânico em sua história: a existência deste "realismo" que sempre acompanhou – de forma mais ou menos rigorosa, mais ou menos apoiada no humor ou em outros gêneros – o futuro da tradição fílmica de um país que sempre teve uma enorme fraqueza – e alegro-me ao ver todos os dias que há mais fãs mostrando esta admiração, quando anos atrás parecia que não era "bem visto" falar bem do cinema inglês.

Dito isso, insisto no fato de que ainda há muitos títulos imersos nesta corrente – e talvez no cinema britânico dos anos 60 em geral – que apenas são conhecidos... e o pior que pode acontecer a um filme que atesta qualidades: não são vistos, de fato. Nunca me cansarei de apelar para a necessidade de redescoberta a uma das obras que é ápice do free cinema – curiosamente realizada por seu intérprete mais carismático e, anos depois, quando a corrente já se encontrava abandonada. Refiro-me a Charlie Bubbles (1968, Albert Finney). Mas, ao mesmo tempo em que este exemplo concreto – que considero quase insultante – oferece-nos a chance de desfrutar de títulos apenas conhecidos em nossa área, e que embora possam parecer imitativos de obras mais importantes do movimento, não é menos verdade que, uma vez contemplados, revelem qualidades consideráveis ​​que os fazem dignos de serem situados à altura de vários dos seus expoentes mais populares e consensuais.

Este é, a meu ver, o caso com The Leather Boys (1963, Sidney J. Furie) – nunca lançado na Espanha, embora exibido na televisão com o título literal Os Rapazes de Couro. É, sem dúvida, um pequeno filme que bebe consideravelmente – mais adiante voltaremos a este aspecto – de outros títulos com significado especial naqueles anos intensos do cinema inglês; mas é certo que, com voz calma, este filme na trajetória inicial do canadense Sidney J. Furie – pouco antes de seu enorme sucesso com Ipcress (1965) e superando um declínio constante e progressivo que chega aos nossos dias – consegue oferecer uma história sincera, baseada em uma novela do próprio roteirista do filme – Gillian Freeman –, que destaca claramente a introdução de uma estranha relação entre os três personagens principais, onde se incorporam claras notas homossexuais em prolongamento ao mundo dos "motociclistas" que agrupavam gangues juvenis naqueles anos. E é neste aspecto particular que devemos destacar a enorme diferença oferecida por este filme, em suas propostas mitificadas – precedidas significativamente pelo medíocre Salvage! (1954, Laszlo Benedek).

Mas, além disso, The Leather Boys destaca uma cuidadosa descrição de personagens, centrada no trio que protagoniza suas imagens. Estes são especialmente Reggie (Colin Campbell), um mecânico jovem e atraente caracterizado pela imaturidade e honestidade, que compartilha seu tempo livre na companhia de outros motociclistas. Reggie é noivo de Dot (Rita Tushigham), com quem logo se casa, estando ambos com muito pouca idade. Ela é uma mulher bastante ociosa e excêntrica, que rapidamente percebe seu despreparo para enfrentar uma relação selada como um casamento. É neste processo, no qual as discussões e confrontos, entre os dois cônjuges jovens, tornam-se algo prematuramente habitual, em que a figura de Pete (Dudley Sutton) aparece. Pete é um estranho jovem caracterizado pela sensibilidade diferenciada e capacidade de reflexão, que logo irá estreitar suas relações com o desorientado Reggie, para formar uma amizade profunda. Ambos chegam mesmo a viver e dormir juntos, na casa da avó do jovem marido, quando ela fica viúva; e para Dot, a presença de Pete sempre será um impedimento para o retorno de seu marido. O amigo é uma enorme influência sobre Reggie e começa a persuadi-lo a intensificar na prática do amor pelas motocicletas, participando de novas corridas, encorajando-o a usar um uniforme completo de couro e abertamente aconselhando-o contrariamente a retornar com sua esposa. Obviamente, esse comportamento é devido tanto a uma atitude sincera da psicologia de Pete – evidentemente um homem experiente – e o desejo homossexual secreto que ele mantém por Reggie e que o jovem apenas muito depois começa a intuir.

É nesta circunstância que se encontra um dos maiores acertos em The Leather Boys, simplesmente saber, em todos os momentos, manter a ambiguidade de seus personagens principais. É esta dualidade que nos permite conhecer todos os seus pontos fortes e fracos, e nos permite simpatizar com Dot, apesar de em muitos momentos ela ser uma jovem caracterizada como ordinária – como quando ela tinge o cabelo com um estridente loiro – já que no último terço do filme a vemos em seu carinho que sente por Reggie. De seu lado, no marido podemos encontrar traços machistas – como quando ele exige que Dot o sirva como uma boa esposa, de maneira reacionária – mas a verdade é que em sua própria imaturidade se adivinha uma honestidade que, mesmo inconscientemente, leva-o a ser admirado por esse novo amigo que o rodeia em todos os momentos. Finalmente, essa ambiguidade tem outra figura importante no personagem de Pete, que tenta por todos os meios deixar em segundo plano a sua homossexualidade latente para manter uma amizade em que ele acredita, e por estar convencido de que ajudará o jovem desorientado com que vive e compartilha a vida cotidiana.

 Nem é preciso dizer que esta ambiguidade pode, em anos, ser o interesse mais superficial do filme, no tratamento da homossexualidade latente da relação entre Pete e Reggie, mas creio que o filme é caracterizado por uma descrição dos três personagens principais, em seus pontos fortes e fracos, que se juntam para conseguir uma credibilidade íntima a todos eles, embora os momentos finais do filme – realmente magníficos – resultem inegavelmente decepcionantes e frustrantes para todos os envolvidos. A câmera de Furie se mostra realmente inspirada no filme, baseando a sua narrativa em uma excelente utilização do formato widescreen que se estende até o planejamento de planos de longa distância, com ligeiros movimentos de câmera focados na evolução dos atores dentro do quadro – a este respeito é reveladora a sequência em que dormem na mesma cama, Pete e Reggie. Surpreendentemente vindo da mão de quem logo exibiria o rebuscamento formal no mencionado Ipcress, The Leather Boys destaca-se por uma realização lenta, caracterizada pela utilização de sequências em que uma câmera discreta  deixa todos os personagens viverem dentro do quadro, transmitindo as suas preocupações para nós e o sentido progressivo de frustração que emana de suas vidas, frustradas em todos os níveis. Para isso, deve-se enfatizar, como era comum no cinema britânico da época, a magnífica fotografia de Gerald Gibbs e a melodia musical brilhante que oferece Bill McGuffie, tendo como peça central um tema melancólico que será repetido quatro vezes no filme, em cenas separadas, que terá um papel especial de despertar o sentimento de nostalgia por um amor perdido.

Será precisamente no plano final – maravilhoso – em que o tema musical terá um papel maior, envolvendo a despedida emocionante de Reggie, frustrado em todos os seus sonhos, por ver como sua mulher é infiel quando ele decide voltar a viver com ela, assim como descobrir que esse amigo, a quem admira, também vive em uma condição de homossexualidade a qual ele não compartilha. Este longo plano é re-significado no afastamento que a triste ponte londrina causa entre os amigos, certamente um toque final brilhante para um filme que apenas se excede em alguns momentos de competição entre as motocicletas, especialmente em Edimburgo.

Antes observava as influências que The Leather Boys mantém para com outros títulos britânicos famosos da época. Sem muita ousadia, cabe notar A Taste of Honey (1962, Tony Richardson), The Servant (1963, Joseph Losey), Billy Liar (1962, John Schlesinger) e alguns outros. Apesar dessa influência – pois ninguém se opõe quando um filme de cinema noir se parece com outro sucesso precedente – encontramos um filme brilhante, emotivo e de momentos magníficos em que é impossível parar de destacar o trabalho de um elenco que não parece interpretar, pois com atores que parecem ser eles mesmos seus próprios personagens. E, entre eles, eu gostaria de destacar o trabalho do jovem e inseguro Reggie, desempenhado por Colin Campbell que, surpreendentemente, não continuou no cinema inglês de seu tempo. Seu trabalho é realmente uma maravilha de espontaneidade e sensibilidade, dentro de um filme que merece realmente sair de seu imerecido anonimato.


Juan Carlos Vizcaino
*** traduzido do blog do autor

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